segunda-feira, 20 de julho de 2020

1 - A BEATA ALEXANDRINA E SALAZAR



Conta a Deolinda que a Alexandrina[1], quando estava na Póvoa em pequena, gostava de irritar os guardas-republicanos cantando estes versos:

Co’as barbas de Afonso Costa,
Nós faremos um pincel,
Para engraxar as botas
Ao bom rei D. Manuel.

Estava-se em 1911 ou 1912. O novo regime transformara o Colégio das Doroteias em quartel, humilhara a comunidade jesuíta e expulsara-a, a sua modesta residência de madeira albergava agora a nova polícia republicana, as obras da Basílica do Sagrado Coração de Jesus haviam sido suspensas, etc. A nível nacional, havia o caso da apropriação dos templos pelo Estado, as Cultuais, o exílio dos Bispos, perseguição de sacerdotes... Na quadra que a Alexandrina cantava (e cujo alcance não podia apreender) estará certamente a rejeição de tudo isto.
Num passo da Autobiografia, deixa ela transparecer o medo que a nova polícia lhe inspirava:

Depois de umas férias, ia para a Póvoa, eu e a minha irmã; tínhamos quem nos acompanhasse, mas só depois de atravessarmos a freguesia. Íamos pelo caminho-de-ferro e avistámos ao longe dois guardas-republicanos. Tivemos medo deles e refugiámo-nos na volta de um caminho. Como minha irmã levasse um cestinho com linho, eles imaginaram que ela levava fósforos (espera-galegos) – proibidos naquele tempo – e perseguiram-nos. Nós fugimos e gritámos muito. Aos nossos gritos acudiram várias pessoas. Já estavam para fazer fogo quando compreenderam que não éramos portadoras de tal contrabando. Felizmente desta vez escapámos à morte.

Do Pe. Mariano Pinho, que começou a dirigir a Alexandrina em 1933, sabemos que, ainda seminarista, foi vítima do regime republicano como os Jesuítas professos. Esteve exilado na Bélgica, na Áustria e na Espanha.
Nestes anos iniciais da República, outra personagem de certo relevo na vida dela, o Dr. Abílio Garcia de Carvalho, foi alvo de perseguições, por pertencer, quando estudava no Porto, ao Centro Académico da Democracia-Cristã.
Com estes e outros antecedentes (não esquecer que a Capelinha das Aparições de Fátima chegou a ser metralhada, que a primeira metade da década de 20 foi de descalabro político e económico…), não admira que a geração da Alexandrina fosse salazarista, que visse em Salazar o libertador do desgoverno prepotente que o precedera e que o justificava[2].
Entre as pessoas que mais de perto lidaram com a Alexandrina, o Pe. Mariano Pinho há de exaltá-lo, embora moderadamente. Quem se mostrará muito mais decidido no seu continuado e indesmentido apoio serão o Dr. Abílio Garcia de Carvalho (presidente da edilidade poveira e governador civil de Angra do Heroísmo) e a professora primária poveira Angelina Ferreira (visita habitual da Alexandrina e uma das suas amigas mais íntimas)[3].

Veja-se este fragmento dum discurso do Dr. Abílio Garcia de Carvalho, pronunciado em 1934, como presidente da Comissão Concelhia da União Nacional, no Teatro Garrett da Póvoa de Varzim e radiodifundido pela Emissora Nacional e que vem no seu livro Política do Estado Novo na Póvoa de Varzim:

Eu sei e sabia já que as vossas almas não podiam deixar de sentir, deixar de viver intensamente o momento glorioso que passa!
Glorioso para Portugal, que alevanta bem alto o pendão sagrado das Quinas, sobre um século de apagada e vil tristeza.
Século em que as doutrinas dissolventes demo-liberalistas, decalcadas em figurino estrangeiro, se tornaram inadaptáveis para nós por espírito da raça e por condições dinâmicas da alma portuguesa, que se orgulha da sua independência e da sua história.



No primeiro plano desta fotografia, que vem na Política do Estado Novo na Póvoa de Varzim, mas data de Setembro de 1933, vêem-se o Dr. Salazar, D. Virgínia Campos e o Dr. Abílio de Carvalho. De pé, estão várias notabilidades poveiras do tempo, entre elas o Dr. Josué Trocado, cunhado da D. Virgínia (por trás da cabeça do Dr. Salazar).


E esta história de maravilha continua a iluminar o mundo com as páginas do passado e com aquelas que ora se escrevem e são outros tantos faróis cuja luz potente ultrapassa as fronteiras, pondo em relevo o valor dos nossos heróis, a mística dos nossos santos, a doçura das nossas famílias e, mais que tudo, neste momento, a prudência e virtude das nossas leis, dimanadas da alma de Salazar, instrumento admirável da Providência.
As doutrinas demo-liberalistas, tornando o homem senhor absoluto dos seus actos, afastando-o da Corporação, isolando-o das suas ligações naturais, consideravam o homem um mero número ao lado de outros números, sem impor entre eles um traço de união a fim de congregar os interesses comuns, as aspirações legítimas e as ideias altruístas, cujo expoente mais perfeito é a caridade cristã que o catecismo nos ensina.
Por esta forma, a Pátria portuguesa foi informada durante o último século por essa doutrina materialista dissolvente e pagã, que por estranha condição deificava o homem.
Doutrina que se agarrou ao Estado, corroendo-o de tal forma que hoje há necessidade instante de arrotear de novo a terra portuguesa, para que o sol da Verdade, o sol da Esperança e da Caridade fecunda a inunde de luz, destruindo o joio daninho; e para que, reflectindo-se, vá depois iluminar os espíritos obcecados e inquietos e determine firmemente a confiança na acção e no êxito da empresa.

Da Prof.ª Angelina Ferreira, ouçamos também parte dum seu discurso; data de 1938. A autora começa a falar do “ressurgimento nacional” a partir dum quadro ilustrador:

Não havia portos. O governo não cuidava da sua conservação nem tratava de construir os de extrema necessidade para proteger a vida dos pescadores. Hoje a situação é diferente. Salazar tem consagrado elevadas quantias para o desassoreamento e apetrechamento dos portos, especialmente aqui o grande melhoramento do porto de Lisboa, onde os maiores vapores já podem entrar. Mas temos mais, e para não ir mais longe, aqui muito perto de nós, na vizinha Póvoa, só Salazar pôde realizar a mais justa pretensão dos poveiros, meus conterrâneos.
A barra do mar da Póvoa devorou vidas e vidas de valentes e robustos poveiros. A cada passo se voltavam ao tentar transpor essa perigosa barra, e o luto, a viuvez e a orfandade entravam em muitos lares que, despojados do braço forte do chefe de família, se viam em luta com a maior miséria.
Mas Salazar, que é justo e bom, acudiu a proteger os pobres pescadores poveiros.

Nestes três casos há que reter que se trata de pessoas a quem o regime não trouxe benefícios pessoais de monta, e, além disso, que se está a lidar com gente culta e reconhecidamente honesta[4]. As suas opções salazaristas de resto reflectiam o sentir generalizado do país[5].



[1] Cristo Jesus in Alexandrina, p. 20, nota.
[2] A Alexandrina conhecera Salazar em Braga, no Congresso Eucarístico, onde a intervenção do futuro chefe do Estado Novo foi um sucesso. Aliás, aquela gigantesca movimentação deu certamente a Gomes da Costa, que esteve presente, a noção bem real do fosso que separava os governantes do que eram as aspirações populares.
[3] Conhecem-se outras pessoas ora mais ora menos íntimas da Alexandrina que foram duma honestidade e inteligência reconhecidas e que militaram decididamente no campo do regime vigente: o Dr. Abel Pacheco (que era «cidadão poveiro» desde 1937) foi talvez mais anti-republicano que salazarista, como se vê dum artigo que um dia escreveu num jornal da Póvoa; o Dr. Josué Trocado, que visitou ao menos uma vez a Alexandrina, era uma referência poveira do Estado Novo; a D. Virgínia Campos foi também uma figura reconhecidamente salazarista e esteve em contacto com a Alexandrina; o Prof. José Luís Ferreira (que, como a D. Virgínia Campos, nunca é mencionado no biografia da Alexandrina, mas que devia estar bem a par do que com ela se passava, era uma notabilidade católica na Póvoa e era pelo menos convictamente anti-republicano) …

[4] Em relação ao Dr. Abílio Garcia de Carvalho, note-se que a sua comunicação ao Congresso Eucarístico Diocesano que teve lugar na Póvoa de Varzim em 1925, intitulada «A Eucaristia e a Medicina» e que veio a ser publicada em jornais nacionais, mas também espanhóis e franceses, tinha sem dúvida a justificá-la a absurda proibição republicana de levar a Comunhão aos doentes.
[5] Referindo-se aos opositores do regime, que contabiliza em 5%, escreveu o Prof. José Luís Ferreira na Ideia Nova em 10/09/45:
“Andam ao rubro certos cérebros estonteados com as palavras Demo­cracia, Liberdade, Unidade De­mocrática, talvez ingenuamente crentes de que serão capazes de arrastar para si, quais magnéticas montanhas, a grande massa da população de Portugal. Não se pode afirmar que anda meio mundo a enganar o outro meio, como é frase feita de há séculos em nosso idioma, porque, na realidade, anda­rão apenas 5% de iludidos a jul­gar que enganarão os 95% res­tantes”.



O ATENTADO CONTRA SALAZAR


Na vida da Alexandrina, há dois momentos especialmente significativos da sua veneração por Salazar. O primeiro tem a ver com o conhecido episódio do atentado de que ele foi vítima de em 1937. No Cristo Gesù in Alexandrina[1], conta o Pe. Humberto que, tendo-se encontrado com o Cardeal Cerejeira em 17 de Abril de 1973, recebeu dele este testemunho:

Por meio do Pe. Pinho que encontrei em Fátima, Alexandrina comunicou-me que avisasse Salazar para tomar todas as precauções porque lhe estavam a preparar um atentado; que ela estava a rezar para que não acontecesse nada.
O atentado tinha sido organizado tão bem que o golpe não devia falhar. Tinham posto dinamite num cano de água das chuvas por cima do qual devia passar Salazar com o seu automóvel.
Mas a explosão aconteceu pouco antes: foi na avenida de Barbosa du Bocage, frente à casa de um amigo íntimo de Salazar, o Dr. Josué Trocado, em cuja capela o chefe de governo tinha assistido à missa. Era domingo, 4 e Julho de 1937.

Nos papéis da Prof.ª Angelina Ferreira, há um documento curioso que alude a este atentado. É uma espécie de santinho, só que a imagem é a do “Doutor António de Oliveira Salazar”. Vejam-se a frente e o verso:



Há que ter presente que se vivia em Espanha a guerra civil. Para os apoiantes de Salazar, Franco combatia certamente as mesmas forças que hostilizavam o Estado Novo e que, como elas, tão hostis à Igreja se tinham manifestado. A tentativa de atentado ocorria pois numa ocasião especialmente crítica[2].



[1] Nota da pág. 67.
[2] Na Mensagem com que Pio XII fez a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria em 1942 ecoam estes pontos de vista.




A MORALIZAÇÃO DAS PRAIAS


O outro momento está mais documentado e não é menos significativo. Nele é clara a intervenção divina já não tanto a proteger Chefe do Governo, mas mesmo, entre outras coisas, a prometer-lhe o Céu. Ouçamos os Signorile:

“Em 2 de Setembro de 1940, segunda-feira, é celebrada uma Santa Missa no seu quartinho. Logo no princípio a Alexandrina sente-se liberta da dúvida, das trevas que a torturavam; no momento da S. Comunhão sente depois uma força que a faz ajoelhar; assim de joelhos recebe Jesus e … “fiquei por muito tempo num enlevo muito unida a Jesus, numa região que não era esta”. Em ânsias dolorosas de amar Jesus, ouve-o lamentar-se de nãos ser amado por muitos corações. Pergunta como pode reparar e ouve responder: pôr termo à imoralidade nas praias! Espantada, sobressaltada, pergunta que pode ela mais fazer por isso. Jesus pede-lhe o sacrifício de escrever a Salazar que, com o cardeal Patriarca, pode intervir eficazmente. A Alexandrina compreende que deve escrever a ambos. Eis as cartas cujas fotocópias o Pe. Humberto Pasquale obteve do próprio cardeal e juntou ao volume Cartas a diversos[1].


Carta ao Patriarca

Balasar, 5 de Setembro de 1940
Eminentíssimo senhor Cardeal Patriarca.
Beijando humildemente o anel de Vossa Eminência, peço autorização para lhe dirigir esta carta. Confesso-me indigna de o fazer, mas obrigam-me a isso a obediência e o cumprimento da vontade de Nosso Senhor.
Sei que Vossa Eminência me conhece já, pois o meu Director espi­ritual, senhor Dr. Mariano Pinho, já lhe falou em meu nome quan­do se tratou de pedir ao Santo Padre a consagração do mundo a Nossa Senhora. Pois que é a vontade de Nosso Senhor, o meu Director espiritual obrigou-me em confissão a revelar a Vossa Eminência o que Nosso Senhor me pediu; confio que Vossa Eminência manterá segredo isto, como se o tivesse ouvido em confissão.
Foi na manhã do dia 2 do corrente mês: quando no meu humilde quartinho se celebrava o S. Sacrifício da Missa, senti de repente desde o princípio uma grande transformação na minha alma, que estava em trevas e grandes agonias. Fiquei em luz, paz e suavidade e assim continuou até ao momento da santa Comunhão. Logo que Jesus desceu ao meu coração, a minha alma ficou como mergulhada nele e gozou por um pouco de tempo de grande enlevo e doçura. Parecia-me que não vivia já mais na Terra. Nosso Senhor começou a falar-me assim:
- Na Terra não existe quase amor nenhum nos corações. Eis o moti­vo da dor de Jesus. Não há amor que repare os pecados da hu­manidade. Estão continuamente a rasgar o meu divino Coração.
- Jesus, que hei-de eu fazer a isso?
- Porás termo a tanta dor não rejeitando ao teu Esposo o mais pequenino sacrifício.
- Jesus, eu não recuso, não. Eu aceito tudo, mas não quero ver-Vos sofrer. Não deixeis essa lança trespassar o vosso Coração dum lado ao outro. Não, Jesus, não! Ai, aceito, mas não Vos quero ver ferido.
- Então vai depressa, como uma mendiga, pedir a esmola para Jesus. Vai a pôr termo depressa, muito depressa, à desmoralização das praias.
- E o que faço eu, meu Jesus?
- Vejamos agora se me negas o que te peço. Escreve a Salazar. É ele, só ele, mais que todo o sacerdotes, que pode pôr termo a tanto pecado. Responde ao teu Jesus.
- Prometi tudo, meu Jesus, prometi todo o sacrifício, mas não tenho resposta a dar-Vos.
- Então queres deixar o meu divino Coração em continua dor e agonia?
- Não, Jesus. Eu faço o que for da Vossa divina vontade. Faço o que o meu Paizinho me deixar fazer.
- Ele, que é o meu discípulo amado, não vai contra os desejos de Jesus.
- Ó Jesus, que hei-de eu dizer-lhe?
- Baixará a ti, como sempre, o Divino Espírito Santo. Vais pedir-lhe com insistência que faça mais isto pela Causa de Deus e por Portugal. Prometo-lhe auxílio e conforto em todos os perigos e necessidades. Prometo-lhe o Céu. ele, com a autoridade, também pode pôr termo ao pecado da carne proibindo e castigan­do.
- Digo-lhe tudo isto, Jesus?
- Que o meu caro Cardeal Patriarca seja auxílio e força. Ambos em união serão o meio de salvar Portugal. Serão o meio de o meu Santíssimo Coração não seja mais ferido com esta crueldade.
- Jesus, não quero que se saiba.
- Descansa agora no meu divino Coração: nada se saberá”.
Unida a esta carta envio uma carta para o senhor Dr. Oliveira Salazar, que Vossa Eminência terá a gentileza de ler e de fazê-la chegar, se assim julgar oportuno. Peço por caridade ainda uma vez que mantenha absoluto segredo. Peço perdão para a liberdade que tomei, perdão para todas a minhas faltas, como peço a bênção de Vossa Eminência para
a pobre e indigna Alexandrina Maria da Costa.


Carta a Salazar, Chefe do Governo

Excelentíssimo Senhor, digníssimo Presidente do Conselho.
Muito cheia de vergonha e de confusão venho escrever a Vossa Excelência para cumprir um dever de consciência. Se não fosse esta a vontade de Nosso Senhor, preferiria não o fazer, pois sou uma simples rapariga de campo e confesso-me indigna de escrever a Vossa Excelência. Sofro desde quando tinha 14 anos e por isso faz 22 anos que não sei o que seja viver sem dor. Desde há 15 anos e meio que estou de cama sem jamais poder levantar-me. Nosso Senhor não olhou à minha indignidade, nem à minha grande miséria. Escolheu-me como vítima. Tenho vivido e ainda vivo, graças a Deus, muito desconhecida, fazendo conhecer a minha vida só ao meu Director Espiritual; e nada qualquer outro; a isto obriga-me a necessidade, pois eu não tenho forças para escrever, como desejava: dito apenas e com grande sacrifício. Ora Nosso Senhor veio pedir-me mais este sacrifício. Por amor a Ele aceite-o com a confiança de que será de muito proveito para as almas. É esta a razão por que me dirijo deste modo a V. E.cia, Senhor Dr. Oliveira Salazar. Foi no dia 2 do corrente mês que Nosso Senhor me disse, entre outras coisas, isto:
 “- Vai depressa como um mendigo pedir a esmola para Jesus. Vai a pôr termo depressa, muito depressa à desmoralização das praias. Escreve a Salazar. É ele, só ele, mais que todos os sacerdotes, a fazer cessar tanto pecado. Pede-lhe com insistência que faça também isto pela Causa de Jesus e por Portugal. Prometo-lhe auxílio e conforto em todos os perigos e necessidade. Prometo-lhe o Céu. Ele, com a sua autoridade, também pode pôr termo ao pecado da carne proibindo e castigando”.
A mim cabe-me só dizer os desejos de Nosso Senhor. Vossa Excelência fará agora o que desejar, o que achar melhor. Nas minhas pobres orações e sofrimentos não me esqueço de Vossa Excelência, implorando a bênçãos e as graças do Céu assim como a luz do divino Espírito Santo para que possa continuar a ser a luz e a salvação do nosso caro Portugal; para isto não recuso a nosso Senhor nenhum sacrifício nem sofrimento. Peço a grande caridade de manter absoluto segredo, como se fosse uma coisa revelada em confissão: pelo amor de Jesus e de Maria, que o meu nome seja esquecido, como se dele nunca tivesse ouvido falar. Sei que é esta a vontade de Nosso Senhor, e portanto também a minha: viver desconhecida aos olhos do mundo. Com a máxima consideração e respeito assino
a pobre Alexandrina Maria da Costa.

Não sei em concreto se Salazar tomou em consideração o que lhe era pedido de Balasar.
É surpreendente notar que no jornal poveiro Ideia Nova de 7 de Setembro se anunciam providências governamentais com vista à moralização das praias. Ter-se-á a situação agravado de tal ordem que, em fim de época balnear, se tornasse indispensável tomar estas medidas – como se viu, pretendidas por Jesus?
Quando muito a carta terá incentivado a determinação em prosseguir uma orientação já antes tomada.
Em 12 Outubro, agora já fora da época balnear, o mesmo jornal aborda de novo a questão. Escreve dada altura:
“Todos os excessos e abusos que contrariam a linha moral de um povo, embora importados, devem ser reprimidos com inteligência e energia, para defesa daquelas tradições de honestidade e carácter que são dos elementos que melhor dignificam e definem um povo”.
A referência à importação desses hábitos significava que se tratava de influência de estrangeiros que cá se tinham acolhido devido à guerra que assolava os seus países.
Desta vez, o espaço de tempo já era suficiente para Salazar receber e dar alguma atenção à carta da Alexandrina.
As cartas ao Cardeal Cerejeira e a Salazar estão transcritas em Figlia del Dor Madre di Amore e em Cristo Gesù in Alexandrina. O Pe. Humberto, na biografia Alexandrina, alude de passagem a este episódio.

Leia-se agora este fragmento do colóquio de 21 de Janeiro de 1949, onde se fala repetidamente da pátria portuguesa e Jesus chama a Chefe do Estado português “meu forte e virtuoso Salazar”:

Dá-me a tua cruz, dá-me a tua dor.
És a primogénita da dor e do amor, és a primogénita da reparação.
Dá-me dor, dá-me dor, dolorosa dor para mais uma vez seres o amparo do meu forte e virtuoso Salazar.
Dá-me dor, dá-me dor, para que o seu zelo pela tua Pátria triunfe mais uma vez com a minha Igreja de quem ele tem sido tão grande amparo e auxiliar.
Dá-me dor, dá-me dor, para que por ele a Igreja possa irradiar mais a sua luz, os seus raios luminosos.
Vigilância, muita vigilância, por um e por outro lado se armam laços mortais.
Dá-me reparação, minha filha, pede muita reparação e todos os que me amam.
Em que perigo está a tua Pátria: faça-se oração, faça-se penitência!

Leia-se também este fragmento da carta enviada ao Pe. Maria1no Pinho em 4 de Janeiro de 1941:


—  Minha filha, minha filha, pupila dos meus olhos, jóia brilhante e formosa, cândida açucena, lírio perfumado que com o teu aroma fazes exalar o perfume nas minhas prisões de amor. Como não tenho outra generosidade inigualável na terra, queria prolongar por mais tempo aqui a tua existência; mas não posso. Eu e a minha bendita Mãe temos umas ânsias sem igual de te vermos no Céu junto de nós. Prometo-te neste sábado consagrado a Ela não demorar na terra por muito tempo a tua existência. E prometo alcançar-te no Céu com os teus pedidos e amor o que agora te alcanço na terra pela tua dor.
Mas para isso, minha filha, pede, pede ao Santo Padre que se compadeça do teu martírio e que satisfaça os desejos divinos de Jesus, que é consagrar o mundo à minha Mãe bendita.
Diz, diz a Salazar que quero que ele seja um guerreiro como não houve nem haja em Portugal no decorrer da Humanidade. Que faça guerra ao maldito vício da carne, à impureza. Que ponha proibição em todos os caminhos por onde ele se possa alastrar.
Diz ao teu Paizinho quer pregando quer escrevendo fale sempre contra o maldito vício e dá-lhe a certeza de todo o meu amor e de minha Mãe bendita da nossa protecção.
Não me faltaram as carícias de Jesus e da Mãezinha. Parecia-me que a minha vida era só do Céu. Fiquei alegre e com muita paz, mas durou poucas horas. De novo voltaram os espinhos a ferir-me.

A área ideológica que a si mesma se desacreditara e que o 28 de Maio silenciou assumiu-se como a principal vencedora do 25 de Abril. Em consequência disso, fez e faz a sua leitura apaixonada e sem dúvida pouco objectiva do período salazarista. Viu-se que gente bem pensante e honesta esteve com Salazar – e não podemos agora aceitar que fossem todos loucos. Há que aprofundar a busca da verdade, como os textos aqui citados implicitamente o exigem.



[1] Estas cartas vão aqui na tradução do italiano, com alguns acertos pela carta ao Pe. Pinho, pois não constam no livro mencionado que está na Casa da Alexandrina.




2 - SALAZARISMO



O salazarismo libertou o país do assalto dos sanguinários vermelhos que assolou a Espanha, manteve-o afastado da carnificina da Guerra Civil que depois o mesmo país vizinho viveu e conseguiu que Portugal se não envolvesse na imensa tragédia da Segunda Guerra Mundial. Mas mais: internamente, pacificou as relações do Estado com a Igreja, sarando a grande ferida desnecessariamente aberta pela República e serenou a vida política permitindo que o país recuperasse a sua economia.
Para aqueles que vêem Salazar como causa e súmula de todas as vilezas, transcrevemos duas frases do insuspeitíssimo e sábio António José Saraiva saídas no Expresso em Abril de 1989:
Salazar foi, sem dúvida, um dos homens notáveis da história de Portugal e possuía uma qualidade que os homens notáveis nem sempre possuem, a recta intenção.
E hoje vemos, com uma dura clareza, como o período da nossa História a que cabe o nome de salazarismo foi o último em que merecemos o nome de nação independente[1].

Fascismo e Salazarismo 

Em 2018, o ex-ministro socialista Luís Campos e Cunha publicou um substancioso artigo no Observador sob o título de “Fascismo e salazarismo”, onde demonstrou que o regime salazarista não foi fascista[2] – o que faria dele um regime visceralmente criminoso, que as pessoas de recto carácter e de inteligência lúcida do tempo teriam obrigação de recusar – o que se sabe que não aconteceu, bem ao contrário: sobretudo na sua primeira década, mereceu uma adesão generalizada.

Complemento 

O nome de Salazar não é muito frequente nos escritos da Beata Alexandrina, mas há ocorrências significativas. Por intermédio do Cardeal, ela avisou-o antecipadamente de que lhe estavam a preparar um atentado (o de 4 de Julho de 1937), sugerindo-lhe que tomasse providências (cfr. o livro Cristo Gesù in Alexandrina, nota 1 da página 65). Em 1940, escreveu-lhe a aconselhá-lo que tomasse medidas em favor da moralização das praias (e foram tomadas. Veja-se a carta a Salazar em Figlia del Dolore, Madre di Amore, páginas 723-724). Numa carta de Janeiro de 1941 ao Pe. Mariano Pinho, a Beata Alexandrina recolheu estas palavras que Jesus lhe dirigiu:
Diz, diz a Salazar que quero que ele seja um guerreiro como não houve nem haja em Portugal no decorrer da humanidade.
Algumas das citações de António José Saraiva não se aproximam do sentido desta frase?



[1] Como exemplo do que pode haver de exagero dos males reais ou imaginados do Estado Novo, recordamos que um dia, que devia ser do ano 2008, uma aluna nossa escreveu num teste, não nos lembramos a que propósito, que “antes do 25 de Abril, nós vivíamos como escravos”. Como o professor dela tinha vivido vinte e cinco anos antes dessa data, pôde esclarecê-la de que isso era inapelavelmente falso. Mas ensinam-se muitas, muitas outras falsidades à juventude e à população em geral.
Acrescentamos mais estas frases de António José Saraiva saídas no mesmo número do Expresso:
Era essa possivelmente a grande virtude e o grande defeito de Salazar: o rigor talvez excessivo consigo mesmo e com os outros. Quem lê os seus Discursos e Notas fica subjugado pela limpidez e concisão do estilo, a mais perfeita e cativante prosa doutrinária que existe em língua portuguesa, atravessada por um ritmo afectivo poderoso. Por este lado, a prosa de Salazar merece um lugar de relevo na História da Literatura Portuguesa (e só considerações políticas até agora a têm arredado do lugar que lhe compete). É uma prosa que guarda a lucidez da grande prosa do século XVII, e donde é banida toda a nebulosidade, toda a distracção, toda a frouxidão, tudo o que frequentemente torna obscuro ou despropositadamente ofuscante a prosa dos nossos doutrinadores.
[2] Com a transcrição de algumas frases ou parte delas, sintetiza-se o principal da argumentação do articulista: 1. “Os fascistas tomaram o poder com base num partido de massas e com acções violentas e bem organizadas”, “Salazar nunca teve um partido de massas”. 2. “Salazar abominava os grandes comícios, contrariamente a Mussolini que usava as massas como a fonte do poder”. 3. “Enquanto Mussolini, Hitler ou Franco discursavam e apareciam em público em trajes militares, Salazar nunca o fez”. 4. “O fascismo era uma força revolucionária, idolatrava as máquinas e o desenvolvimento que elas traziam. Pensava o futuro das economias com base na indústria. Salazar era exatamente o contrário”. 5. “Os fascismos europeus eram expansionistas e queriam criar impérios. Salazar, pelo contrário, bastava-lhe conservar o império que tinha herdado da História”. 6. “Salazar era religioso. Nunca saberemos quão católico seria, mas era o suficiente. O Fascismo (e o Nazismo bastante pior) era ateu e idolatrava a guerra e o “progresso”. 7. “O fascismo era racista e o nazismo ainda mais brutalmente o foi. Salazar era um paternalista em relação a África e aos africanos”.

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